*Roberto Rocha, senador da República*
Uma escola de samba de São Paulo, a Acadêmicos do Tatuapé, veio buscar
no Maranhão a inspiração para produzir o espetáculo que levantou o título na
avenida. Alguns dirão: certamente isso se deu pelo fato do carnavalesco da
escola, Wagner Santos, ser maranhense. Não, decididamente, não! A escolha
de um enredo passa por várias cabeças e depende de muitos fatores. Fosse o
carnavalesco de outro estado, teria emplacado sua terra?
Faço esta reflexão com um propósito. Para chamar a atenção para a
extraordinária riqueza que está diante dos nossos olhos, e muitas vezes é
preciso ser vista de fora pra que nós mesmos enxerguemos. A Tatuapé escolheu o
Maranhão porque percebeu que aqui havia todos os elementos que compõem uma
narrativa para empolgar a celebração popular. Pra começar, somos a síntese da
formação cultural do país, nos três grandes eixos: o africano, o europeu e o
indígena. Trazemos em nossa imaginação, costumes, memórias e sonhos, o eco do
encontro de crenças e visões de mundo tão variadas que se aclimataram em nosso
território. Isso não se deu pacificamente, mas a custa de sangue e dor.
Sobre esse terreno construímos um imaginário de “encantarias”, como diz
o enredo da escola, feito de mitos, de arquétipos, de lendas, de fantasias que
adubaram fértil terreno para o nascimento de gerações de poetas, de Gonçalves
Dias a Ferreira Gullar. Um lugar tocado de poesia e magia que penetra na
imaginação desde que “o sonho aportou na ilha da magia".
Está tudo lá, na letra do samba, numa síntese magnífica. Fala das
batalhas pela libertação dos escravos, das feitiçarias, da poesia, da alegria,
das matracas, dos tambores e de São José, nosso santo padroeiro. Fala ainda das
cantorias, das quebradeiras de coco e não esqueceu do reggae, mais um exemplo
de simbiose cultural.
Mas nada disso seria suficiente se não fosse o fato de constituir também
uma vibrante e arrebatadora tradição visual que está presente nas miçangas dos
bois, nos traçados geométricos das pinturas indígenas, nos vestuários das
danças populares, nas fitas coloridas, nas cavalgadas, nas romarias, nos
azulejos, nos cocares. Que mais quer uma escola de samba pra empolgar a
avenida? Poesia, magia, beleza, mistério, essa a riqueza que o Maranhão
forneceu para que a Tatuapé, com enorme competência, conquistasse o
bicampeonato.