O caso da agressão
racial de que fora vítima, na Espanha, o jogador de futebol Daniel Alves, abriu
temporariamente diversas janelas, tanto para os sempre oportunistas de plantão
com suas camisetas à venda, entrevistas e frases ensaiadas, quanto para
discussões mais sérias, acerca de uma questão que sabemos, não é exclusividade
só da América do Sul, mas está presente em todos os continentes.
Os episódios de racismo e de injuria racial só têm se
multiplicado a cada dia. É pertinente abrir aqui só um parêntese para explicar
essas duas posturas abjetas que possuem, no meu pensar, a mesma raiz: ignorância
e preconceito, no sentido mais amplo que se possa imaginar.
Em se tratando de
Brasil a injuria está tipificada no
artigo 140, parágrafo 3º, do Código
Penal e consiste em ofender alguém com a
utilização de elementos referentes à cor, etnia, religião, ou origem; enquanto
que o crime de racismo tem previsão na Lei 7.716/89 que implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou
coletividade.
Feita essa distinção
voltemos ao episódio do jogador. É notório que o caso só alcançou toda essa
repercussão por ser ele, Daniel Alves, famoso; por ter sido mostrado ao vivo
para o mundo inteiro pela TV, e ainda pelo fato do atleta encarar aquela agressão,
institivamente ou não, com grandeza. Mas quantos casos similares, ou piores do
que esse ocorrem diariamente no Brasil e no resto do mundo e ficam no anonimato?
O jogador ter apanhado
a banana contra ele arremessada, e em ato contínuo tê-la comido, pode ser interpretado
de diversas maneiras. Filio-me ao que
disse em sua crônica dominical em O
Progresso o publicitário Fhellippe Duarte segundo o qual Daniel ali, naquele
instante, mostrou que “
podemos mastigar essa parte podre da sociedade, e com muito prazer cagá-la”
Diria mais, meu caro
Fhellipe: além de demonstrar, por mais simples que seja a força e o poder de um
gesto e de uma atitude, o jogador mostrou a necessidade de o mundo civilizado
encarar com firmeza essa situação. Mesmo que não sirva mais para essa geração, já
intoxicada, aqui fazendo uso de uma expressão do professor Sérgio Pena, da
Universidade Federal de Minas Gerais, pela noção de raças humanas.
Para o
professor-pesquisador, citado num texto da jornalista Kelly Cristina Spinelli,
na Folha de São Paulo, “ como uma casca de banana, o conceito de raça é vazio e perigoso.
Vazio, porque sabemos que raças humanas não existem como entidades biológicas.
Perigoso, porque o conceito de raça tem sido usado para justificar discriminação, exploração e atrocidades”.
Avançando mais um
pouco no tema diríamos que há muito o
conceito de raça biologicamente falando começou a ser posto por terra,
principalmente depois das atrocidades da segunda guerra mundial da Alemanha de
Hitler contra os Judeus, graças a estudos genéticos.
A jornalista Kelly
Spinelli, assinala ainda, citando estudos abalizados que “ os geneticistas descobriram que a
constituição genética de todos os indivíduos é semelhante o suficiente para que
a pequena percentagem de genes que se distinguem (que inclui a aparência
física, a cor da pele etc) não justifique a classificação da sociedade em
raças.
No sentido
sociológico, no mesmo texto, Márcia Lima, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, pontua que “o racismo é um fenômeno social e não biológico”. Já a
escritora Gevanilda Santos, autora de Racismo no Brasil, arremata: “ As raças não existem, mas a mentalidade relativa às
raças foi reproduzida socialmente”
Concluindo essa parte
acadêmica da coluna de hoje, vale a pena citar Francisco Mauro Salzano, do
Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no texto ‘O Conceito de raça a partir da biologia e da
sociologia’, onde este escreve que
“ pessoas biologicamente diferentes
podem também ter culturas e níveis socioeconômicos distintos, e esta é a origem
do racismo. Grupos dominantes tendem a relacionar a sua posição social com sua
constituição biológica, podendo atribuir qualidades inferiores aos grupos
dominados e biologicamente diversos. Não há nenhuma justificativa biológica
para tal atitude” afirma o estudioso.
Além da justa causa
biológica, citada pelo professor Francisco Mauro, pode-se afirmar que também não
há justificativa, moral, econômica, espiritual ou sociológica para que o ser
humano restrinja as relações com seus semelhantes por conta de suas etnias.
E para encerrar, parafraseando
o famoso ativista americano Martin Luther King, exímio defensor dos direitos
civis dos negros, assassinado em Abril de 1968, eu também tenho um sonho:
Que um dia as pessoas
não julguem, ou prejulguem, vejam ou percebam os outros, pela cor da pele, pela
estatura e peso; a roupa que usam, cargos que ocupam, a conta bancária e posição social. O sonho de que as pessoas passem a enxergar os
outros além dos rótulos; a essência ao invés do corpo que é facilmente
consumido pelos vermes quando paramos de respirar, uma vez que somos
filhos da mesma mãe, a mãe Terra. Somos
uma só família, a família humana, e ganhamos um Planeta inteiro e imensamente
rico para compartilhar.