2/01/2012

Artigo: A Pena de Morte, uma breve análise histórica.

Elson Araújo

Pena – do gr. poine, pelo lat. poena significa castigo, punição. Pena de morte significa, assim, a punição máxima imposta pelo Estado aos crimes considerados hediondos. Foi instituída com a finalidade de eliminar o delinqüente da sociedade.

A Pena de Morte, ou como muitos preferem a pena capital, se constitui na mais extremada forma de punir de um  Estado.  No passado as execuções dos criminosos ocorriam em praça pública, um verdadeiro espetáculo da barbárie patrocinada pelo Estado que,  dessa forma,  impunha sua autoridade, mostrava sua força, vingava privativamente a sociedade e autoridade ofendidas.

Logo na abertura de sua célebre obra Vigiar e Punir,  Michel Foucault, narra como se constituía essas execuções  públicas ao expor os termos de uma sentença  ambientada na França, em Abril de 1757.
 Nu, de camisola, numa carroça o condenado foi levado á porta principal da Igreja de Paris. Sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barriga das pernas, sua mão direita segurando uma faca com que cometeu o parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros consumidos ao fogo reduzidos a cinzas lançadas ao vento.
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..O último pedaço encontrado nas brasas só acabou de se consumir às dez e meia da noite...

(MICHEL FOUCAULT)

Foi na esteira dessas atrocidades, para se contrapor à cruel forma de punir do Estado absolutista da época,  que o  pensador iluminista Cesar Bonessana, o Marquês de Beccaria, aparece, em 1764, com sua célebre e,  sempre atual obra,   Dos Delitos e das Penas, que se tornou, na avaliação dos penalistas, um marco da Escola Clássica do Direito Penal. 
A obra provocou uma verdadeira revolução ao se contrapor e,  ao mesmo tempo propor,  formas mais humanas de aplicação das penas e se posicionar contra a pena capital.
Neste faz-se uma rápida abordagem sobre esse instrumento radical de punição, que já integrou o ordenamento jurídico  pátrio.  Foi abolido no Brasil e, em alguns países,  mas  ainda é presente em muitos estados ditos civilizados e modernos, como é o caso do Iran, que sentenciou à morte por apedrejamento a mulher Sakineh Ashiani,  acusada de adultério.

A PENA DE MORTE NA HISTÓRIA

A história da humanidade mostra que a pena de morte sempre esteve presente na estrutura organizacional de várias sociedades. O código de Hamurabi  em 1750 a.C e o Código Draconiano da Grécia Antiga,  em 621 a.C  comprovam a aplicação desse remédio para diversos tipos de crime.
No caso do Código de Draco, os historiadores o apontam como um legislador cruel e desumano autor de leis sanguinárias que previa, entre outras, a pena de morte tanto para delitos graves como para delitos leves;  como um furto, por exemplo. No mencionado código só não haveria pena de morte nos casos de homicídio involuntário.
Ao mergulhar-se um pouco mais na história encontra-se na Bíblia, o sagrado livro cristão, notadamente no livro de Levítico, no  Velho Testamento evidências da aplicação da pena de morte para mais de 30 tipos diferentes de crime. Por apedrejamento ou decapitação o povo judeu castigava com a morte os considerados idolatras, infiéis,  os protagonistas de   relações homoafetivas e,  o homicídio.

Já no novo testamento a evidência de pena de morte se encontra na morte de Jesus de Nazaré que embora seja traduzido, pelo que ensinou e pregou, como um humanista acabou sentenciado a morrer na cruz por Pôncio Pilatos.

Muito mais além, a Idade Média, foi rica em execuções.  Acusados comuns,  leves,  eram executados na roda ou por enforcamento; hereges queimados vivos, nobres e militares decapitados e criminosos políticos esquartejados.  
A Igreja, por meio da “Santa Inquisição, eliminava todo aquele que representasse perigo para a instituição.
Por sorte,  diante de tantas atrocidades  feitas em nome de Deus e do Estado,  sempre houve quem contra elas se levantasse. Com força, na Idade Contemporânea surgiram filósofos e pensadores como Montesquieu e Voltaire que passaram a condenar as torturas e os julgamentos sumários. Nesse conjunto de pensadores surge Beccaria  com seu dos Delitos e das Penas onde este pede o fim da pena de morte por considerá-la  inútil.
Hoje, mesmo com a pena de morte ainda presente em muitos países, graças à  sempre atual  obra de Beccaria,  há uma reflexão maior  e mais critica sobre a legitimidade desse modo de punir.

A PENA DE MORTE E BECCARIA


Beccaria dizia que o fim das penas não é atormentar a afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido, mas sim, impedir que o réu cause novos danos. Num outro trecho da obra  ele defendia como finalidade da pena a condução do homem  ao máximo de felicidade ou ao mínimo de infelicidade possível.

Segundo Cipriani, a obra de Beccaria, conduziu o direito penal a uma função de garantia dos direitos humanos fundamentais, produto das concepções iluministas, a um processo de autêntica valorização da plenitude do ser humano ainda em desenvolvimento, mas sempre  a atualizar-se.
Entre os fundamentos da obra de Beccaria sobre o “direito de punir, destacam-se: o estabelecimento de bases e limites para o direito de punir ao recomendar que era melhor prevenir o delito antes de puni-lo; também pugnava pela igualdade humana perante a lei e se posicionava firmemente contra o confisco de bens e as penas de morte,  objeto deste artigo.

Com o contraponto aos excessos penais  vigente no século XVIII a obra do iluminista  Beccaria,  fez com que ganhasse  espaço as afirmações humanitárias que propunha que o estabelecimento penal tivesse uma finalidade útil e social e não fosse mero tormento da pessoa.
Conforme Cipriani “ainda lutavam igualmente com fervor pela abolição da pena de morte, da tortura e das penas infamantes”
De fato, com o avançar da influência das ideias  iluministas e, do direito natural, foram suprimidas a crueldade do direito penal, bem como se limitou o número de delitos e se humanizou as formas de execução.
Mesmo com a forte influência das idéias iluministas de Beccaria, alguns Estados ainda adotam a pena capital como instrumento penal. É caso, por exemplo, de algumas regiões dos  Estados Unidos,  e do Japão e de alguns países islâmicos, que ainda punem, com a morte delitos como o adultério, que  em países como o Brasil,  há muito foram descriminalizados.

A PENA DE MORTE NO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO


Não resta a menor dúvida de que a  pena de morte é uma das mais controvertidas questões dos nossos dias, ou seja, a de saber se a sociedade tem o direito  ou não  de privar da vida um criminoso.  No país, embora haja correntes  que defenda  leis mais severas para se combater a criminalidade há muito  a pena de morte deixou de ser pauta dos debates.

Há defensores, isolados, que vez por outra usam trazem à baila o tema, mas só com fins eleitoreiros.

No Brasil, mesmo após a independência, no século XIX,  ainda vigorava  a legislação portuguesa que continha normas processuais, segundo Antônio Carlos de Araújo Cintra et al,  contidas nas Ordenações Filipina e outras leis da época que admitia o tormento, a tortura, as mutilações, as marcas de fogo, o açoites, o que era incompatível com o grau de civilização já então atingido no Brasil, várias décadas depois da publicação da humanitária obra de Beccaria.
 No Brasil, a pena máxima para todo e qualquer delito é de trinta anos de reclusão, conforme prevê a nossa legislação, sendo proibida a implantação da pena de morte, com exceção em caso de guerras, de acordo com o artigo 5° inciso XLVII da Constituição Federal: - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX.
Já no artigo 60, parágrafo 4°, inciso IV, há prescrição de que não será objeto de deliberação proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais, dentre as quais se insere a vedação à pena de morte. Portanto, a proibição da pena de morte é considerada cláusula pétrea, insuscetível de emenda ou reforma pelo poder constituinte derivado.
Historicamente, havia a aplicação de pena considerada já na primeira Constituição brasileira de 1824, e era aplicada por meio  do sistema de forca.  Antes, o criminoso era levado até o cadafalso, pela cidade ou pela região, para demonstrar a ação do Estado em coibir o crime de que era acusado e também para impingir o medo aos cidadãos. Mais um noticiado com um erro mortal do Judiciário brasileiro, referente ao acusado, que foi enforcado no lugar do verdadeiro criminoso, ensejou maiores preocupações do Império quanto à aplicação da pena capital.
 Nas Constituições seguintes foram abolidas as possibilidades de existência de pena de morte no Brasil, com exceção do período da Carta Magna de 1937, na vigência do denominado Estado Novo implantado por Getúlio Vargas, que vigeu até 1946, que restringiu direitos e garantias individuais, instituindo, entre outros dispositivos, a pena de morte em casos expressamente especificados, inclusive para a subversão da ordem pública e social por meios violentos e para homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade.
Com a Constituição de 1946 foram abolidas as penas de morte e de prisão perpétua, ressurgiram e revigoraram-se os direitos fundamentais do homem. Contudo, outra exceção ocorreu a partir de 1969, quando foi editada a Emenda Constitucional n° 1, no período de governos militares. Entretanto, nove anos depois, em1978, foi considerada abolida por meio da Emenda n° 11, mantendo-se apenas para o âmbito militar, em épocas de guerra.

 Na Constituição de 1988, como já foi dito, não se aplica pena de morte, apenas no caso de exceção.

CONCLUSÃO



No mundo civilizado, dominado por maravilhas tecnológicas capaz de, em segundos tornar próximo o mais distante dos homens, é   intolerável que  Estados como  a Indonésia,  os Estados Unidos,  Japão, Iram, Iraque, Paquistão ainda  estarreçam o mundo  com manchetes de jornais e sites como: Brasileiro condenado à morte é executado na Indonésia,   Iram condena à morte representante de Sadam, e Vaticano Reage;  Mulher Cristã condenada à morte por enforcamento, Japão: homem de 32 anos condenado à morte, Iraniana Condenada à morte por apedrejamento.


Pesquisas, sérias, já provaram e comprovaram que a pena de morte se mostra  ineficaz como instrumento estatal de combate ao crime. Em países como os Estados Unidos, onde a pena capital é adotada em 35 estados, 35% da população consideram-na imoral e começam um movimento para substituir esse tipo de punição pela pena de prisão perpétua. A pesquisa foi feita pelo Centro de Informação da Pena de Morte. Naquele país a pena capital se estabeleceu em 1976 depois de uma moratória de dez anos. Foram executados até o momento 1233 pessoas. 


O maior número de execuções vem do  Estado do Texas, embora o número de sentenciados à morte tenha se reduzido em quase 50% em dez anos. Mesmo assim, 3.216 presos aguardam no corredor da morte a aplicação da sentença. Em 2010 já foram executados 45 pessoas.
 
No Brasil,  a história registra, com raras exceções, que a pena capital nunca prosperou e quando vigente quase não foi aplicada. Como já citado neste artigo,  a Constituição Federal de 1988, consolidou, como clausula pétrea, no artigo 60,  com impossibilidade de deliberação a pena de morte.


Infelizmente ainda há que argumente que  existem  crimes tão hediondos que só a morte resolveria o problema  e  põe   a pena de morte  como valor  exemplativo o bastante para coibir a brutalidade humana.


O bom, é que há  também quem pensa diferente e defenda que ninguém, nem o Estado,  tem o direito de privar o outro da vida e que a pena de morte não resolve o problema da criminalidade nem aqui, nem na China nem na Indonésia.


Entende-se que se, por um golpe,  voltasse a vigorar  no país a pena de morte as sentenças teriam endereço certo: os milhares de excluídos do contexto social, que já  nascem  condenados; condenados  às condições adversas  sendo privados dos bens  mais elementares para se ter uma vida digna, como saúde, educação, segurança e,  até a alimentação; carências essas,  que obrigam, embora não se justifique,   muitos a buscarem no crime a raiz da sobrevivência.  Seria  sim,  essa  clientela, a  frequentadora da sanha do Estado vingador nos paredões de fuzilamento.



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