10/11/2013

O Horror das prisões ou o massacre de Pedrinhas.



                   
Elson Araújo

Uma bomba se estabelece hoje nos presídios brasileiros abarrotados de presos. A estimativa, segundo o Conselho Nacional de Justiça-CNJ- é de pelo menos 550 mil  homens e mulheres presos aguardando o cumprimento de pena,  ou mesmo serem sentenciados. Um exército sem causa sonhando  todos os dias com a liberdade, mesmo forçada, traduzida em incontáveis  rebeliões quase sempre tendo como resultado cenas de barbárie,  como  essa ocorrida na  última quarta-feira (9) na Penitenciária Agrícola de Pedrinhas com nove mortos confirmados.

O entendimento dos especialistas é unânime: o sistema penitenciário brasileiro caminha para o colapso. São vagas de menos para presos demais. A situação é tão grave que o próprio ministro da Justiça José Eduardo  Cardozo já chegou a afirmar que prefere morrer a cumprir pena nos presídios brasileiros, comparando-os a "masmorras medievais”.  Talvez nesse momento  o ministro tenha se lembrado do sempre  atual  Cesare  Beccaria  que no seu Dos Delitos e das Penas, obra do século XVIII,   já definia as prisões como “horríveis mansões do desespero e da fome”, definição que bem pode ser aplicada  á situação dos  presídios  do Brasileiros.

No Brasil é assim: quando o  Estado não mata, por meio de sua Polícia para sufocar  as rebeliões e tentativas de fugas ( vide o massacre do Carandiru) eles mesmos ( os presos) submergem-se num processo autofágico numa aparente luta pela  autopreservação: matar para não morrer.  Tudo indica que foi isso que teria ocorrido essa semana,  mais uma vez,  na Penitenciária Agrícola de Pedrinhas   com o enfrentamento das facções criminosas “bonde dos 40” e o chamado primeiro comando do Maranhão (PCM). Resultado do confronto:  nove mortes, nove a menos do que  na rebelião de  novembro de 2010 quando foram assassinados 18, muitos decapitados.

Esse enfretamento nos remete  a  Thomas Hobbes no seu Leviathan quando defendia que a primeira lei natural do homem é da autopreservação que o induz a impor-se sobre os demais. Estaria ele certo?

Para Hobbes  a  vida seria uma guerra de todos contra todos, na qual o homem  seria o lobo do homem.

No contexto de sua época o autor  se referia à origem do Estado, mas numa linguagem moderna  tal ideia se manteria atual se for considerado o atual momento pelo qual passa o sistema prisional brasileiro. Repita-se: são 550 mil homens ou mais, que um dia voltarão para a sociedade mais lobos do que homens.

Esse episódio de Pedrinhas da ultima quarta-feira  fatalmente  nos remete a outro  não menos bárbaro ocorrido não faz muito tempo e que ficou conhecido como “o massacre de Pinheiro”  evento   que mostrou para o Brasil e o mundo um  fragmento da situação do nosso sistema prisional. Uma tentativa de fuga frustrada, na noite de uma segunda-feira, na cidade de Pinheiro e que  acabou numa tragédia que poderia ter sido evitada. Na rebelião  os presos mataram e decapitaram seis colegas.

Pelo que se apurou na época os presos já haviam emitidos sinais de insatisfação por conta das péssimas condições da cadeia onde estavam depositados. Tirando um ou outro exagero todas, as reivindicações, antes do massacre, feitas pelos cautelados eram justas e previstas na Lei de Execuções Penais (LEP). O sistema fez ouvidos moucos, ignorou os lobos ali ergástulados e o resultado foi o que se viu,  e que continua sendo mostrado até hoje  para todo mundo via rede mundial de computadores.  Cabeças separadas dos corpos entulhados no pátio da cadeia. Uma cena mais forte do que as de um filme de terror.
No nosso ordenamento jurídico contamos com uma lei, a Lei de Execuções Penais, que se fosse aplicada poderia pelo menos diminuir tensões  nos presídios. Em se tratando do Maranhão, segundo dados do Sindicado de Agentes Penitenciários publicados na imprensa,  de 2007 até 2012 foram registradas 103 mortes só nos presídios da capital. Este ano, com os nove que tombaram no massacre do nove de outubro, já são 37. Uma verdadeira tragédia; mas como já dizia Beccaria, “nossos costumes e nossas leis retrógadas estão muito distantes das luzes dos povos”.
Clara é  a falência do sistema prisional brasileiro já que episódios como os mencionados não são uma exclusividade do Maranhão. O pior de tudo é que,   em que pese as tratativas e leis  para  modernizar o sistema carcerário com o  objetivo de esvaziar as cadeias, a médio e longo prazo não se vislumbra uma solução,  pelo menos paliativa para o enfrentamento desse  problema. São 550 mil presos, repita-se,  aos quais  o sistema aguarda que se juntem mais 350 mil, que é o número estimados  de mandados de prisão expedidos pela Justiça Brasileira,  aguardando cumprimento.

O mais traumático nessas rebeliões com mortes é a frieza como a sociedade as assimilam. Não há comoção popular manifesta.  É como se nada tivesse ocorrido. A repercussão é  maior   no exterior  do que nas quatro linhas do País. A sensação que fica é de que a pilha de presos mortos não tem qualquer significado para a sociedade.

“O homem apenas é cruel por interesse, por ódio ou por medo” dizia Beccaria. No caso das rebeliões percebe-se que se estabeleceram os três itens: interesse dos presos de chamar atenção para a situação de calamidade estabelecida na cadeia, o  ódio do sistema  e dos rivais e o medo de morrer.

O marquês de Beccaria num trecho da sua clássica obra talvez explique essa frieza como a sociedade brasileira vem  absorvendo esses  episódios  ao escrever que “ o coração humano não é capaz de sentimento inútil; todos os seus sentimentos são resultado das impressões que os objetos provocam sobre os  sentidos”. .

 As cenas de barbárie, dentro e fora das cadeias, tornaram-se tão triviais que,  o que sentia-se  ontem, não se sente mais hoje.

Sem uma solução plausível para a crise no sistema prisional nas cadeias brasileiras a triste constatação:  o homem continuará a ser o lobo do homem fazendo prevalecer, a cada dia, o instinto da autopreservação que o autoriza a matar, decapitar e buscar constantemente a liberdade,  mesmo que forçada.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.

Beccaria, Cesare. Dos Delitos e das Penas.Tradução de Torrieri Guimarães. Texto Integral. São Paulo, Martin Claret, 2000.

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