11/03/2010

Artigo - O CÁLCULO DA VIDA

Por Marcos Fábio Belo Matos  JORNALISTA E PROFESSOR DOUTOR DO CURSO DE JORNALISMO DA UFMA/IMPERATRIZ


Certa vez, numa conversa sobre alianças feitas no universo da política, disse-me um dileto amigo que muitas dessas uniões partidárias esdrúxulas e, muitas vezes, inexplicáveis sob a lógica racionalista, tinham, na verdade, um fundo de justificativa no ‘cálculo da vida’ que determinados cacique(te)s políticos fazem.

Pesados o tempo decorrido e as suas respectivas conquistas, o que sobra são alguns anos a mais que, se não forem aproveitados no momento oportuno, levarão o resto de suas existências para o limbo.

Por conta disso, dizia ele, muitos vendem as convicções, a história de resistência, de militância coerente com seus princípios, os preceitos nos quais acredita(va)m, as leituras que lhe fizeram a cabeça e o coração, as palavras ditas e escritas, a amizade dos colegas de partido e de movimento em busca de um mundo melhor... Vendem e não se arrependem, por causa do cálculo da vida.

O tempo que lhes resta não lhes permite mais ilusões: é preciso fazer ‘logo e agora’ o que for preciso para o resto da vida valer a pena (tome-se ‘valer a pena’, neste caso específico, por uma vida materialmente confortável...).

Mas fiquei pensando em ampliar este conceito para outros campos. O cálculo da vida não vale só para os políticos, mas para todos nós. Em algum momento das nossas vidas, este cálculo acaba sendo feito, para o que quer que seja: para a salvação da alma; para a perdição da alma; para a vivência de um amor até então irrealizável; para o usufruto da vida em desregramentos de toda ordem (sexuais, etílicos, oníricos etc); para a efetivação de uma vida minimalista; para a efetivação de uma vida materialmente opulenta, cheias de badulaques da moda e de ícones de sucesso; para o abandono de (in)certezas; para a busca de uma espiritualidade sui generis; para não fazer nada e ficar ‘com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar’, como cantou o maluco beleza; enfim...

Para alguns, o cálculo só é feito na velhice, quando, temerosos do que possa haver do outro lado do mundo pintado pelo cristianismo, preferem não arriscar e já ir se consertando aos poucos – ou radicalmente! Ou então, massacrados por vidas absolutamente ordinárias, resolvem ‘chutar o balde’ e aproveitar o ‘restículo’ dos seus dias fazendo da sua vida o que passaram toda uma existência querendo e reprimindo, reprimindo e querendo... Outros, não: calculam suas vidas não pelo resto de tempo que falta, mas sim pelo que ganham se mudarem de imediato, e fazem as escolhas que lhe parecem devidas logo cedo. Outros, ao contrário dos dois exemplos, não mudam absolutamente nada a vida inteira, isso porque deixam que suas vidas sejam determinadas pelo cálculo que lhes fizeram outrem...

Em qualquer intensidade e dimensão, a qualquer tempo, é este cálculo que define como nossas vidas ficarão marcadas. É uma espécie de ‘matemática ontológica’, que vai definir toda a nossa capacidade de ser humanos – ‘ou não’, como diria Caetano. Seja como for, o melhor de tudo é quando essa conta nos traz uma sensação de adição. Pois quando sentimos que ela nos subtraiu, nem Freud...



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