Em entrevista à revista Isto É, o sociologo Antônio Lavareda faz uma análise atual da conjuntura política e dos cenários em torno da aleição presidencial do ano que vem.
Vale a pena, um pouco de paciência, e ler o inteiro teor da entrevista
Entrevista: Antonio Lavareda - "É muito difícil lula transferir afeto"
Octávio Costa e Hugo Marques
Um dos maiores especialistas em marketing político do País, o sociólogo Antonio Lavareda acredita que, embora estejamos a mais de um ano da eleição, são pequenas as chances de surgir novos nomes competitivos para ameaçar os governadores de São Paulo, José Serra, de Minas Gerais, Aécio Neves, a ministrachefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a senadora Marina Silva (PV-AC) e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE).
Lavareda afirma que, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disputasse a reeleição, "dificilmente deixaria de ganhar, pois é um consenso no imaginário popular". Isso não significa, segundo ele, que a ministra Dilma vá herdar a popularidade de Lula. Um presidente bem avaliado, explica, consegue transferir uma dose substancial de prestígio para seu candidato. Bem diferente, porém, é o que acontece em relação ao carisma:
"É muito difícil Lula transferir afeto", diz o cientista político nesta entrevista à ISTOÉ. A outra certeza de Lavareda, até agora, é que a oposição deve enfrentar "com frieza" o significado de Lula na sociedade. "Isso não pode ser tratado de forma passional", adverte Lavareda.
ISTOÉ - É possível traçar um cenário da eleição do ano que vem?
Antonio Lavareda - A eleição de 2010 assinalará a entrada do Brasil, do ponto de vista político, no século XXI. Cumpridas as tarefas de estabilização da economia pelos dois governos Fernando Henrique e o processo de distribuição de renda incrementado nos dois mandatos do presidente Lula, que transferiu 20 milhões de brasileiros para a classe C, pela primeira vez a chamada classe média se assume como contingente majoritário da sociedade. Medidas que elevaram a renda das camadas mais pobres da população, como o aumento do salário mínimo e a ampliação do Bolsa Família para cerca de 11 milhões de famílias, além da expansão do crédito, eram tarefas do final do século XX. A agenda do século XXI começa agora. E quem vai conduzi-la será o próximo presidente.
ISTOÉ - E quem será?
Lavareda - Acho que não há espaço para a emergência de novos nomes. Dificilmente serão incorporados novos personagens,salvo se, por alguma fatalidade, um dos candidatos precisar por qualquer motivo se afastar da disputa. Se o candidato do PT fosse o Lula, a eleição estaria resolvida. A oposição se beneficia do fato de que a proposta de continuidade se dá por meio de um novo personagem, no caso a ministra Dilma Rousseff.
ISTOÉ - Lula fará seu sucessor?
Lavareda - Lula tornou-se quase consenso no imaginário popular. No Brasil, desde a Independência, os heróis que tinham dado certo pertenciam sempre ao estrato superior da sociedade. Desde dom Pedro II, passando por Getúlio Vargas, todos vinham da elite da política. Lula é o primeiro herói popular brasileiro que deu certo. E sua maior obra foi na dimensão social. Ele conseguiu fazer movimentos vigorosos de distribuição de renda na base da sociedade. Nas últimas pesquisas do Ibope, Lula tinha aprovação de 92% no Nordeste. Mas, nos municípios com menos de 20 mil eleitores no Nordeste, essa aprovação chegava a 98%.
ISTOÉ - Lula pode transferir sua popularidade para Dilma Rousseff?
Lavareda - É óbvio que um presidente bem avaliado consegue transferir uma dose substancial de prestígio para seu candidato. Mas isso não significa necessariamente que ele consiga transmitir a porção substancial do vínculo que construiu com o eleitorado. Lula tem um vínculo emocional com o eleitor brasileiro. É mais fácil transferir prestígio do que vínculos emocionais. Quanto ao prestígio, basta dizer: "Olha, a minha candidata foi um personagem importante no meu governo". Outra coisa é transferir o afeto que a população dedica a Lula, sobretudo os mais pobres. É muito difícil transferir afeto.
"Marina pode fazer algo como o que o pastor Jesse Jackson tentou montar. Chamava-se a coalizão do arcoíris, que empolgava diversos segmentos da sociedade"
ISTOÉ - Quais são as dificuldades da candidatura Dilma?
Lavareda - A maior dificuldade de Dilma será substituir a figura do presidente no imaginário do eleitorado da base lulista. Terá Dilma a capacidade de empolgar os eleitores, substituindo uma figura com a dimensão mítica do presidente? É uma tarefa de vulto.
ISTOÉ - Hoje, o governador José Serra aparece na frente das pesquisas. O que explica essa posição?
Lavareda - Serra desfruta de percentuais elevados porque é conhecido e mantém uma boa avaliação retrospectiva como ministro da Saúde. Isso alimenta parte importante das intenções de votos nele. No Nordeste, o que Serra tem nas pesquisas está associado ao seu desempenho como ministro. E pesa também a propagação das qualidades da sua gestão à frente do governo de São Paulo. Por que ele não cresce mais? Porque não está em campanha.
ISTOÉ - O PSDB perde tempo ao não se decidir entre Serra e o governador mineiro Aécio Neves?
Lavareda - A escolha do PSDB segue um processo que estabeleceu a realização de prévias. O partido trabalha com o fato de que nas circunstâncias atuais, não havendo um deslanche de nenhuma candidatura da base do governo, seja de Dilma, seja de Ciro Gomes, não há motivo para queimar etapas. Como o processo eleitoral ainda não está na mente da maioria do eleitorado, o PSDB trabalha com a ideia de que as prévias podem ser favoráveis ao seu candidato.
ISTOÉ - Como analisa Aécio?
Lavareda - Aécio é uma alternativa absolutamente competitiva. Tem um laço histórico, uma linha de parentesco com o líder da transição democrática, o presidente Tancredo Neves. Ele reúne uma série de ingredientes que fariam dele, uma vez conhecido em decorrência da campanha eleitoral, forte candidato.
ISTOÉ - Tanto Serra quanto Aécio descartam ser vice. Estão certos ao recusar a chapa puro-sangue?
Lavareda - Nada é impossível. Uma chapa puro-sangue do PSDB com Serra e Aécio dificilmente seria batida por qualquer outro competidor. Os dois Estados somam mais de um terço do eleitorado. Tornaria difícil a vida dos outros concorrentes.
ISTOÉ - O argumento para convencer Aécio é de que ele é mais jovem.
Lavareda - Concordo com essa tese. Se o candidato for o governador de São Paulo, Aécio poderia aceitar a vice. Não faria mal à sua trajetória política. Diria mais. Acho que nos próximos 20 anos, para não dar um período muito estreito, é quase impossível que o Aécio não venha a ser presidente da República. Ele incorpora a imagem de alguns mitos da política, como os presidentes Juscelino Kubitschek e Tancredo. Ele tem um ativo de predicados que fazem dele, no médio prazo, um provável presidente do Brasil
"Nada é impossível. Uma chapa purosangue do PSDB com Serra e Aécio dificilmente seria batida por qualquer outro competidor"
ISTOÉ - Por que o sr. recomendou ao PSDB cautela na abordagem de questões como o Bolsa Família?
Lavareda - A cautela básica é como tratar a figura do presidente Lula. É muito importante que qualquer ator da oposição consiga analisar com a frieza necessária o significado de Lula hoje na sociedade. Isso não pode ser tratado de forma passional. É preciso se colocar como o pós-Lula e não como o anti-Lula. É importante elaborar e apresentar ao País uma agenda para começarmos o século XXI. Por exemplo, temos um excelente sistema de saúde, o SUS, mas podemos aprimorá-lo. Vamos ter de melhorar muito os nossos padrões de educação, que, em grande medida, não tem apresentado resultados substantivos.
ISTOÉ - Existem outros pontos frágeis que a oposição pode debater?
Lavareda - Há vários pontos desse governo que estão muito abaixo do nível de aprovação do presidente Lula. Mesmo o combate à fome e à pobreza teve nas últimas pesquisas do Ibope aprovação de 60%. Significa que 40% da população não o aprovam. Na área de segurança pública, a desaprovação é de 59%. Na saúde, é de 57%. Na educação, a aprovação é de 54%, significa que 46% não a aprovam. Ainda há muita coisa para se avançar.
ISTOÉ - Esses temas podem ser abordados sem atacar o presidente Lula?
Lavareda - O presidente Lula não é candidato em 2010. O presidente Lula foi candidato em cinco eleições. Não seria inteligente fazê-lo artificialmente candidato na sexta eleição.
ISTOÉ - A ex-ministra Marina Silva poderá tirar votos de Dilma?
Lavareda - Só com sua saída do PT e a conjectura sobre sua candidatura, a senadora Marina já enriqueceu a eleição de 2010. Não por acaso a ministra Dilma, nos últimos dias, passou a fazer pronunciamentos mostrando sua preocupação com as águas e o leito dos rios. A qualidade ambiental era um tema que não frequentava seus discursos. A Marina traz a temática do desenvolvimento sustentável. Um tema que está na agenda do mundo hoje. Marina traz o elemento que faltava para que a agenda das eleições seja definitivamente a agenda do século XXI.
ISTOÉ - Ela tem alguma chance?
Lavareda - Sua agenda é positiva e não é uma agenda de gueto, não é aquela coisa do meio ambiente, do verde, da ecologia. Inclui as grandes questões da economia.
ISTOÉ - A ex-ministra pode dividir a militância do PT?
Lavareda - Certamente. Marina pode fazer algo como o que, anos atrás, nos Estados Unidos, o (pastor) Jesse Jackson tentou montar. Chamava-se Rainbow Coalition, a coalizão do arcoíris, que empolgava diversos segmentos da sociedade. Não tenho dúvida de que a Marina poderá ser competitiva, com mais de 10% dos votos.
ISTOÉ - E a expectativa para Ciro?
Lavareda - As campanhas exigem dos candidatos os melhores atributos e até um pouco do que eles não têm, tudo isso pode contribuir contra Dilma. Na eventualidade de um deslize seu ou de qualquer fatalidade, ela poderá ser ultrapassada por outro candidato da base, como Ciro. Numa candidatura Dilma e Ciro, o candidato Ciro seria um vice-presidente que naturalmente tenderia a se comportar como um candidato a presidente porque ele é muito assertivo, muito afirmativo. Não sei se seria uma coisa positiva.
ISTOÉ - Caso haja um acidente de percurso com a candidatura de Dilma, o ex-ministro Antônio Palocci é alternativa viável?
Lavareda - Falando objetiva e respeitosamente, teria a ver eventualmente com o estado de saúde da ministra. Ele tem a seu favor o fato de que poderia se beneficiar do êxito econômico do governo Lula. Além disso, Palocci se comunica muito bem. Mas essas são considerações preliminares. Há que fazer pesquisas de opinião
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