O assassinato de uma juíza fluminense reacende o debate em torno da discussão da violência lenta e vagarosa que pretende silenciar a cidadania. Diariamente milhares de vidas são tiradas e destruídas em razão da violência incontida, da insegurança pública, dos crimes de latrocínio, homicídio, sequestro e tantos outros que mostram ao mundo que existe um muro, não de Berlim, entre nós. Existe uma verdadeira muralha que separa ricos dos pobres, incluídos dos excluídos, sadios dos doentes, serviços públicos desorganizados e sucateados de hospitais de primeiro mundo, essa destruição provocada pela mão invisível do Estado, incapaz de gerir sua máquina e debelar a corrupção.
Folgo em dizer que a vida tirada de um magistrado não será a última enquanto os órgãos encarregados da segurança cruzarem os braços e não colocarem à disposição do Estado Juiz meios convenientes e seguros de lhe salvar a vida e proteger a família. Em sã consciência, gravita sempre ao redor da magistratura a famigerada faixa de renda, privilégios e regalias.
Essa visão míope dos leigos não se coaduna com o momento e a conjuntura. A maioria dos juízes trabalha 10 horas por dia, em prédios em ruínas, sem informática ou estrutura humana, e devem fazer produção em massa, apresentar planilhas, dados e atender à demanda — em São Paulo, há quase 80 milhões de processos para uma população de 40 milhões em todo o Estado. E o orçamento fraco, irrisório e insignificante: menos de R$ 6 bilhões para uma arrecadação superior a R$ 100 bilhões.
As entidades de classe apenas se pronunciam pela solidariedade e enlutamento das famílias nesse momento de dor e sofrimento. Nada disso resulta de profícuo, na medida em que a morte de um magistrado fere de morte também a democracia, arranha a imagem do Estado e causa profunda ruptura da legalidade, fazendo preponderar a violência e o crime organizado. A nosso ver é fundamental a criação de um SIM — Sindicato Independente de Magistrado— o qual defenderia ardorosamente a classe e proporia medidas efetivas de melhoria do serviço e proteção ao magistrado e familiares.
Sugerimos, no passado recente, que nos processos mais complexos de ordem criminal funcionassem três juízes que passariam a assinar a decisão em conjunto, e não seguissem uma rotina ou ficassem vinculados aos processos.
Sofremos o risco de virarmos uma Colômbia, pela expressão das drogas e a inabalável corrupção que a tudo carcome. Nunca existe verba para o serviço judiciário, tudo é economizado ou customizado ao menor preço, e a segurança pessoal dos magistrados não é importante. Tudo passa por uma burocracia e, depois de alguns meses, quebra-se a vigilância e se expõe a vida à sorte dos criminosos.
Tanto faz, neste momento, saber se a segurança foi pedida ou não pela juíza. Cabe sim aos Tribunais, CNJ e Corregedorias buscar empenho máximo para que o governo enxergue mais e melhor e pare de uma vez por todas de sonegar recursos que acarretam perdas de vidas inocentes.
O Judiciário deveria ter sua própria polícia interna e reservada, para que exercesse missões preparadas e planejadas e não se subordinasse à máquina do estado perdulário com a corrupção, mas franciscano com o serviço público, sua eficiência e aprimoramento.
A toga negra está de luto, por uma vida que se foi, e tantas outras ameaçadas em risco, que não despertam a atenção de nossas autoridades. Exige-se ao máximo dos juízes de primeiro e segundo graus, mas nada se lhes oferece o Estado para preservar o bem mais fundamental: a própria vida.
Estaremos marchando na contra mão da história. Essa morte já repercutiu no exterior e mostrou mais uma vez que, no Brasil, a impunidade anda de braços dados com a corrupção. Cada cidadão mais indefeso nas cidades grandes, com crimes a luz do dia, em saída de banco, nos cruzamentos, nas avenidas, em qualquer horário.
Não é sem razão que temos hoje, seguramente, a maior privatização de grupos que zelam pelo patrimônio de empresas e pessoas físicas. São gastos no setor mais de R$ 6 bilhões ao ano para uma função propriamente do Estado, que não é capaz e muito menos competente para tanto. Fizeram a faxina nas favelas do Rio de Janeiro, com as tropas de segurança, e as três armas. Mas o crime continua a mostrar seu rosto, a sua irreverência e sua prepotência. Cabe ao Ministério da Justiça um plano estrutural e organizado com as milícias de todos os Estados.
Não é possível que milhares de brasileiros morram pela inapetência o Estado, que em horas de lazer num restaurante ocorram arrastões, que no trânsito parado seja assaltado. Vivemos sobressaltados não sabemos se voltamos aos nossos lares para o convívio dos familiares. Cada um precisa ostentar uma bandeira contra a violência e intimar o Estado Brasileiro a cumprir seu papel. Chega de anarquia, chega de banditismo, chega de crime organizado, basta de tanta onda de destruição familiar e de cidadãos sem culpa alguma.
Não há solução para a nesga que experimentamos. Ou o Estado Brasileiro reage e mostra sua verdadeira função institucional, ou definitivamente os brasileiros serão reféns da criminalidade, da violência e da maior praga do século: a corrupção, que destrói o cidadão e aniquila a expressão da vida e sua liberdade.