Três datas
terminadas em 4 devem ser lembradas neste 2014. A primeira é 1954, do suicídio
de Getúlio Vargas. A segunda é 1964, do golpe militar apresentado como Revolução.
A terceira, 1984, das Diretas Já.
Na primeira ocorreu
um drama. Na segunda, uma farsa. Na terceira, um épico. Elas marcaram a
história política do país e de uma geração. Quando soube da morte de Getúlio,
naquele 24 de agosto (um mês também cabalístico, da renúncia de Jânio Quadros),
eu me encontrava na porta da antiga Faculdade Nacional de Filosofia, onde
cursava Letras Neolatinas. Estava fechada, como tudo o mais. Eu era tão
politicamente alienado que, diante do país em choque, minha reação foi de
alívio, e por um motivo mesquinho. Não ia precisar entregar os trabalhos de
casa passados por aqueles geniais catedráticos: Alceu Amoroso Lima, Cleonice
Berardinelli, Manuel Bandeira, Celso Cunha, José Carlos Lisboa, entre outros.
Tenho vergonha de dizer que só mais tarde me dei conta da gravidade e
importância daquele momento em que mais me interessavam Lorca, Camões, Pessoa,
Camus, Machado.
Já 1964 foi
completamente diferente, com a instauração do que ficou conhecido como
“terrorismo cultural”: perseguições e prisões políticas, censura, arbítrio.
Chegamos a Brasília, minha mulher (grávida) e eu, justamente na noite de 31 de
março, depois de uma viagem de dois dias num Fusca sem ar-refrigerado, sem
rádio e, portanto, sem saber o que estava acontecendo. A chamado de Pompeu de
Souza, ia lecionar Jornalismo na universidade recém-criada por Darcy Ribeiro.
Voltamos dias depois sem emprego e infiltrados num avião só de militares. Até
hoje não sei como.
Se num caso um
presidente se matou e no outro matou-se a democracia, no terceiro houve um dos
mais bonitos espetáculos cívicos de ressurreição da esperança. Depois de 20
anos de ditadura, o país foi para as ruas e como nunca, antes ou depois,
manifestou-se com vigor, mas em ordem e em paz. Até os políticos, passando por
cima de divergências partidárias e em perfeita consonância com a sociedade, se
uniram de maneira inédita em torno de uma mesma causa: o restabelecimento das
eleições diretas.
O que mais
fascinava naquela campanha, e ainda fascina vista à distância, era a crença com
que milhões de pessoas iam para as ruas reivindicar e propor. Talvez porque
fosse um movimento afirmativo, a favor, não mais de negação, o fato é que, se
não foi a “maior manifestação popular da História do Brasil”, como se diz, foi
pelo menos a mais alegre, colorida e musical que se viu. Em termos de cena
urbana, não há como não comparar, com nostalgia, as gloriosas mobilizações de
30 anos atrás com os rolezinhos de hoje.
Zuenir Ventura é jornalista.