O Globo
Desde a ascensão do coronel Hugo Chávez pelo voto,
em 1999, na Venezuela — depois do golpe frustrado de 92 —, o país do
“socialismo do século XXI” passou a ser laboratório para uma maquiavélica
experiência autoritária: o manejo de instrumentos formalmente democráticos,
como plebiscitos, para sufocar a democracia representativa.
A manobra
funcionou, foi exportada para outros países da região, como Bolívia e Equador,
mas, morto Chávez, e no governo do discípulo Nicolás Maduro, aconteceu o
previsto: anos a fio de políticas populistas, o avanço do estado na produção e
toda sorte de desmandos gerenciais impulsionaram a inflação para romper a
barreira dos 50%, acabaram por destroçar a PDVSA, que repousa sobre uma das
cinco reservas mundiais de petróleo sem poder explorá-la com eficiência, e
empurraram o país para grave crise econômica, social e, por decorrência,
política.
Maduro é presidente
eleito pelo povo, e seu mandato precisa ser respeitado. Mas a comunidade
internacional não pode voltar as costas para abusos que forças regulares e
milícias armadas do chavismo, os “coletivos”, têm cometido contra a população.
Nicolás Maduro e Hugo Chavez
Até ontem pela
manhã, contabilizavam-se 15 mortos. Que fosse apenas um, chavista ou
oposicionista. Além disso, há a prisão de um líder de oposição, Leopoldo López,
questionável do ponto de vista legal, e detenção de estudantes, com denúncia de
torturas.
Até agora, também
como esperado, a ação do Mercosul é pífia, como a nota liberada pelo grupo,
escrita em estilo chavista. Na Europa, segunda-feira, a presidente Dilma
declarou que Venezuela não é Ucrânia.
De fato, mas, em
certa medida, chega a ser pior, pois, em Kiev, o Parlamento demonstrou
independência, afastou o presidente e prepara novas eleições.
Foi, pelo menos por
enquanto, barrado o terrorismo de Estado, algo que pode crescer na Venezuela. A
presidente brasileira expõe, ainda, uma miopia clássica da esquerda, ao tentar
justificar o autoritarismo em nome de avanços sociais. A História contabiliza
barbaridades genocidas cometidas no século XX, sob esta justificativa, na
China, na extinta União Soviética, em Cuba, na Coreia do Norte e no Camboja dos
“campos da morte”.
Houve mesmo avanços
sociais na Venezuela, mas que são corroídos por uma inflação que se aproxima
dos 60%, pelo desabastecimento galopante, todos os sintomas de uma grave
implosão do sistema econômico. O país derrete.
O número de mortes
e vítimas em geral deve aumentar, e a simpatia ideológica não pode tornar o
Brasil cúmplice de crimes contra direitos humanos. Não é esta a tradição do
melhor da diplomacia do país. Não se apoia qualquer golpe na Venezuela, mas que
Maduro deixe de radicalizar o regime, rota perigosa para si próprio. Para isso,
é necessária pressão internacional, Brasil à frente.