11/11/2023

A FORÇA HISTÓRICA DO SERTÃO MARANHENSE


ElsonMAraujo

Como membro da Academia Imperatrizense de Letras (AIL), onde ocupo a Cadeira 02,  fundada pelo advogado, jornalista, político , escritor e historiador, Salvio Dino, e que tem como patrono Parsondas de Carvalho, tenho tido a deliciosa oportunidade, uma vez ou outra, de me deparar com questões históricas, há muito esquecidas, sobre a formação  cultural e populacional do sertão maranhense, a partir  dos “Pastos Bons” , a povoação que dera a origem à grande maioria dos municípios que forma hoje o que passamos a chamar de região tocantina maranhense, no Sudoeste do Maranhão.

A curiosidade tem me empurrado para os caminhos da história. A procurar obras esquecidas, e até desconhecidas, a conversar com os confrades sobre temas diversos a respeito de como se procedeu a formação desse conglomerado de cidades e gentes de todas a regiões do Brasil e do mundo, onde hoje habitamos e que reúne, se não tiver ultrapassado, cerca de um milhão de habitantes.

Do conjunto do que li, até agora, já é possível afirmar que, a quem interessar possa, nossa história rende dezenas, ou centenas de roteiros para séries, minisséries, e cinema propriamente dito. Estamos numa região gestada com   sangue, suor, e tonéis de lágrimas e personagens épicos.

A AIL tem o privilégio de abrigar entre seus membros quem sempre se preocupou em resgatar os fatos importantes ocorridos nessa banda do Maranhão; principalmente aqueles ocorridos no final do século XVIII e da inteireza do século XIX. Seja no modelo de romance, como bem tem feito o advogado e escritor Agostinho Noleto, no formato de pesquisas acadêmicas (teses e dissertações) como fazia muito bem o já falecido professor João Renôr Ferreira de Carvalho, ou por pura vocação histórica, como tem feito ao longo da vida o incansável Edmilson Sanches, o pesquisador literário e poeta Ribamar Silva, o acadêmico Domingos Cezar, o polemista histórico Sálvio Dino e o saudoso Adalberto Franklim.  Expoentes da pesquisa histórica da AIL que merecem reconhecimento.

Adalberto Franklim é um capítulo à parte. Como editor, um dos maiores do Maranhão, e com uma queda pela história, tanto que se tornou membro, assim como o confrade Sanches, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, e diante da sua Ética Editora, resgatou e publicou elos perdidos (esquecidos) da história da região, do Maranhão e do Brasil.  Foi assim, que há 17 anos, junto com confrade João Renôr Ferreira de Carvalho, trouxe a lume um dos mais importantes documentos históricos publicados no País, na primeira metade do século XX:  o livro O Sertão, subsídios para a história e a geografia do Brasil, da escritora sertaneja Carlota Carvalho.

O livro, uma obra ambiciosa lançada no Rio de Janeiro, em 1924, pela Empresa Editora de Obras Cientificas e Literárias, que alcançou repercussão nacional. Um apurado trabalho de pesquisa histórica/geográfica com citações de fontes, que passam pelos principais fatos da história do Brasil com ênfase a episódios que marcaram a história do Maranhão.  Um trabalho de fôlego onde a autora não se limita à simples narrativa histórica, mas, faz questão de retratar seu olhar crítico sobre fatos e personagens muitas vezes romantizados pela história convencional.

Percebe-se na leitura de O Sertão, uma escritora destemida, detalhista e extremante culta, que bebia nos grandes clássicos da literatura mundial e que manuseava com maestria as palavras. Talvez por isso, por puro preconceito, tenha surgido a “tese” de que não teria sido dela, mas sim do irmão, Parsondas de Carvalho, a verdadeira autoria da obra. Tese polêmica defendida por Salvio Dino, que lhe rendeu vários artigos, palestras e até um livro. Confesso que cheguei a me filiar nessa corrente por ter ouvido, até então só um lado.  Depois da atenta leitura de O Sertão, meu entendimento mudou. Acredito até que o irmão de Carlota, por ser um homem das letras, por ter conhecido cada palmo, cada canto, cada nascente, cada córrego, rios e riachos, morros e serras do sertão maranhense, e por, na sua época, ser uma pessoa muito influente na província, em algum momento tenha contribuído para a construção do manuscrito, mas pelo menos para mim, até provas em contrário, a obra é mesmo de Carlota Carvalho.

Pela importância de o Sertão para a história do Brasil e do Maranhão, bem como do sertão maranhense, garanto que um ano seria insuficiente para dissecar a obra. São muitas informações, pedaços soltos da nossa história que merecem uma melhor investigação acadêmica. De tão importante, a obra já virou até tese de doutorado, na Unisinos (RS), da lavra da professora doutora Regina Célia, hoje do corpo diretivo da Universidade Estadual da Região Tocantina Maranhense (UEMASUL).


Atraída pela obra de Carlota, Regina  Célia defendeu a tese  intitulada  Por caminhos de terra e de tinta: a trajetória de Carlota Carvalho, uma escritora nos sertões maranhenses (séculos XIX e XX), que teve como objetivo investigar a trajetória da professora e escritora Carlota Carvalho, buscando compreender os elementos que constituíram sua formação intelectual, bem como o significado que sua obra “O Sertão” teve para a historiografia do Brasil e, em especial, para aquela que se debruçou sobre o sul maranhense.

Sobre Carlota, Regina Célia escreve que ela foi uma professora normalista, nascida em meados do século XIX nos anos finais do império no sertão maranhense a partir dos primeiros anos da República. Além de escrever o Sertão, ela teria escrito vários artigos sobre temas atinentes ao homem e à mulher sertanejos.

O Sertão, de Carlota Carvalho, além de uma deliciosa e construtiva leitura é um grato convite para a geração de hoje conhecer melhor o torrão onde pisamos. Um verdadeiro um tesouro com um pé na ciência e outro na literatura.

Do livro (risos) só não gosto de uma parte dedicada à então incipiente Imperatriz.

“Falando da Vila Imperatriz em particular, diremos que bom só tem o homem que a habita”.

Não tem uma biblioteca, não tem um grêmio em que possa haver uma conversa que não seja maledicência; não tem um jornal”, relata ela sobre a Imperatriz do início dos anos 1920.

Mulher das letras, hoje ela ficaria feliz de encontrar uma cidade, ainda com muitos problemas, mas que tem uma Academia de Letras, que não deixa de ser um grêmio literário, tem um jornal diário, há 53 anos e que a cidade se consolidou como polo educacional, comercial e industrial.

Ela ficaria feliz, sim!

 

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