Nem todo conflito sucessório deve, automaticamente, resultar na abertura de um inventário.
Essa é uma constatação que a prática forense impõe com frequência a quem atua na advocacia de família e sucessões. Há situações em que a técnica processual e a fidelidade aos fatos conduzem a um caminho diverso: reconhecer que não há bens a partilhar e que, portanto, o processo não pode subsistir.
A sentença que analiso a seguir, proferida em inventário judicial envolvendo o espólio de Geraldo Pereira de Sousa, é um exemplo claro e didático dessa realidade.
O inventário é, por excelência, o instrumento jurídico destinado à apuração, administração e partilha do patrimônio deixado por alguém após o falecimento. Trata-se de procedimento que, na prática forense, raramente é extinto sem resolução do mérito. Ainda assim, há situações excepcionais e juridicamente relevantes em que a extinção do inventário não apenas é possível, como se impõe.
Uma sentença recente, proferida em inventário judicial envolvendo o espólio de Geraldo Pereira de Sousa, oferece importantes lições práticas sobre os limites do procedimento sucessório e sobre a responsabilidade das partes quanto à correta indicação e comprovação dos bens supostamente integrantes do acervo hereditário. A decisão foi exarada pela Segunda Vara da Família da Comarca de Imperatriz.
A existência de bens é pressuposto do inventário
O ponto central enfrentado pelo Juízo foi simples e, ao mesmo tempo, decisivo: não se comprovou a existência de bens pertencentes ao falecido.
O inventariante indicou determinado imóvel como integrante do espólio, porém não anexou qualquer documento idôneo que demonstrasse a titularidade do de cujus sobre a área descrita. Não havia matrícula imobiliária, escritura pública, formal de partilha anterior ou qualquer outro título capaz de comprovar domínio.
A sentença foi categórica ao reafirmar um princípio elementar do Direito das Sucessões:
inventário não se faz com base em alegações, mas em prova documental mínima da propriedade. Sem bem, não há o que inventariar.
Inventário não é via adequada para discutir posse ou conflitos de propriedade
Outro aspecto relevante enfrentado na decisão diz respeito à tentativa de utilizar o inventário como meio para discutir situações de posse precária, ocupação informal ou suposta partilha feita em vida.
O Juízo destacou que questões possessórias, controvérsias dominiais ou alegações de invasão constituem matérias de alta indagação, incompatíveis com o rito do inventário. Tais discussões devem ser submetidas às vias processuais próprias, como ações declaratórias, reivindicatórias e possessórias.
O inventário não pode servir como atalho para regularizar situações fáticas não comprovadas juridicamente.
Partilha em vida exclui o bem do acervo hereditário
A sentença também reconheceu que determinado imóvel havia sido partilhado ainda em vida pelo falecido, entre filhos do primeiro casamento. Essa circunstância, comprovada nos autos e ratificada em audiência, afasta de forma definitiva a inclusão do bem no espólio.
Do ponto de vista jurídico, trata-se de consequência lógica do princípio segundo o qual somente os bens existentes no patrimônio do falecido ao tempo da morte se transmitem aos herdeiros. O que foi validamente disposto em vida não integra a herança.
Extinção do processo por ausência de pressuposto
Diante da inexistência de bens comprovadamente pertencentes ao de cujus, o Juízo reconheceu a ausência de pressuposto essencial para o desenvolvimento válido do processo e extinguiu o inventário sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil.
A decisão também condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, reforçando que o manejo do inventário exige responsabilidade e lastro mínimo probatório.
Embora o inventário seja um procedimento tradicionalmente voltado à solução consensual ou declaratória, a sentença analisada demonstra que o Judiciário está atento aos limites legais do instituto. A extinção do feito, nesse contexto, não representa formalismo excessivo, mas sim respeito à técnica processual e à segurança jurídica.
O caso reforça a importância da análise criteriosa do acervo antes do ajuizamento da ação, evitando litígios desnecessários e garantindo maior efetividade à tutela jurisdicional.
