EDITORIAL DE O Globo , hoje
Uma das dez maiores economias do mundo no início do
século passado, com uma renda per capita equiparável à de França e Alemanha,
superior à de Japão e Itália, a Argentina intriga historiadores pelo ineditismo
de ter sido um país desenvolvido, mas que retrocedeu.
É certo que não haverá uma explicação única para a
tragédia, só possível de ser analisada com o uso de conceitos
multidisciplinares, da economia, da ciência política, da antropologia.
Pois, no espaço de 13 anos, o país mergulha em mais
uma crise cambial, devido a uma sucessão de erros até óbvios cometidos na
política econômica deste período, cuja maior parte é dominada pelo
kirchnerismo, a vertente peronista hegemônica até o programa populista do casal
Néstor e Cristina começar a perder força, em função mesmo da crise que os dois
semearam.
Néstor, sucessor de Eduardo Duhalde, sobre o qual
desabou a responsabilidade de começar a recuperar o país depois de outra
tragédia, a explosão do câmbio fixo, em dezembro de 2001, enveredou pelo
populismo, abraçado com entusiasmo pela mulher, sua sucessora, a senadora
Cristina Kirchner.
Com o país alijado do mercado financeiro mundial, devido à impossibilidade
de chegar a um acordo com todos os credores atingidos pelo calote dado devido
ao fim do engessamento cambial, o casal Kirchner partiu para conhecidas
heterodoxias.
Câmbio desvalorizado, juros baixos, gastos
públicos nas alturas — uma das maneiras mais eficazes de se fazer explodir a
inflação. E quando ela acelerou os preços, o governo de Cristina passou a
praticar uma “contabilidade criativa”, mas sem as sutilezas com que ela é
aplicada no Brasil nas contas públicas.
Interveio
no cálculo do índice oficial, tabelou-o em 10%, mesmo que hoje a taxa efetiva
esteja próxima dos 30%. Com um governo desinteressado em dar segurança aos
investidores, a economia com perda crescente de competitividade, também em
função da inflação, a fuga em direção ao dólar ganhou velocidade — até porque o
argentino nunca confiou plenamente no peso.
O
resultado aí está: as reservas, hoje em US$ 29 bilhões, caíram mais de 40% em
relação a 2011, o dólar no mercado paralelo (“blue”) está em mais de 12 pesos, enquanto a
taxa oficial é de 8 pesos, mesmo assim depois de uma desvalorização de mais de
10% num único dia, quinta passada.
A
situação é típica: requereria um choque fiscal e monetário, corte de gastos, juros nas alturas e flutuação
livre do peso. Como fez o Brasil em 1999, com êxito. E em 2003, idem. Mas é
muito “neoliberalismo” para Cristina e seu jovem ministro Axel Kicillof, um
peronista de esquerda. Eles preferem denunciar a ação de “especuladores”. Tanto
pior para a Argentina.