Por Alessandro Brandão, promotor de Justiça
Certa vez, a
filósofa alemã Hannah Arendt disse que é no vazio de pensamento onde a
banalidade do mal se instala e a esse estado de coisa corresponde a trivialização
da violência.
Aqui em Imperatriz
já nos acostumamos a ver em jornais e ficar sabendo por conversas de esquina os
inúmeros casos de acidentes no trânsito da Cidade. Essa rotina gera em muitos
de nós a banalização do assunto. Ficamos acomodados e, diante dessa letargia,
passamos a não pensar sobre essa violência urbana.
A 7ª Promotoria
Criminal de Imperatriz solicitou do SAMU, ICRIM, IML, HMI, DAT e CIRETRAN, em
Imperatriz, informações sobre a violência no trânsito da Cidade. Se o caro
leitor não tem reservado muito tempo ultimamente para pensar sobre o assunto,
faço o convite para ler as próximas linhas. Não há como permanecer indiferente.
Nos últimos três
anos foram 10.053 acidentes de trânsito, com 11.358 vítimas. Isso corresponde,
em média, a mais de 10 vítimas por dia em nossa Cidade. Somente em 2013 foram
62 mortes. Quando não se morre, são comuns as sequelas. Naquele mesmo ano, 597
pessoas sofreram incapacidade temporária após sofrer acidente. Outras 252
pessoas tiveram incapacidade permanente e 40 perderam membros, órgãos ou
sentidos. Estamos falando aqui de pessoas que ficaram dias e até meses sem
conseguir levantar da cama ou permanecerão pelo resto de suas vidas sem poder
andar, trabalhar, produzir, etc.
Não é difícil
concluir que esses números geram consequências de toda ordem. O custo
financeiro impressiona. Segundo dados fornecidos pela Direção do Hospital
Municipal de Imperatriz – HMI, em média, metade dos leitos daquele hospital de
urgência são ocupados em cirurgias de acidentados. Depreende-se das informações
fornecidas que o custo para o HMI com o tratamento dessas vítimas gira em torno
de R$3,8 milhões por ano. Se pararmos para refletir um pouco, logo nos
lembraremos de que não é raro o problema da falta de leitos no HMI para atender
outros casos de urgência. Também poderíamos nos perguntar quantas casas
populares, escolas, postos de saúde, ruas asfaltadas e outras obras poderiam
ser feitas com esse dinheiro.
Certamente, essa
realidade não é peculiar apenas a Imperatriz. Diríamos que é problema nacional.
Igualmente, é possível reconhecer avanços, notadamente em políticas públicas na
área do trânsito. Podem ser mencionados o acréscimo do número de agentes de
trânsito e veículos para a fiscalização das regras de circulação, parada e
estacionamento, a cargo do órgão municipal de trânsito. Porém, a pergunta que
devemos fazer é tanto óbvia quanto necessária: o que se tem feito nas áreas de
sinalização, fiscalização e educação no trânsito é suficiente?
Essa violência nas
ruas e avenidas de Imperatriz se explica em grande parte pelo inegável
crescimento desordenado da Cidade. De acordo com o registro de Edelvira Marques
de Moraes Barros, em seu livro Eu,
Imperatriz, o grande crescimento de Imperatriz iniciou no final da década
de 50, quando em 1958 começou a construção da rodovia Belém-Brasília, no trecho
que passa por Imperatriz. Com a notícia, centenas de pessoas de todo o Brasil
chegaram atraídas pela notícia de progresso. Nesse contexto, surgiu o primeiro
plano urbanístico da Cidade, de autoria e execução do então prefeito Raimundo
de Moraes Barros. Traçou-se como eixo central uma avenida que cruzava toda a
cidade, hoje conhecida como Avenida Getúlio Vargas. Dessa avenida central
partiram, de cem em cem metros, ruas transversais e, paralelas à dita avenida,
outras iguais foram traçadas. Construiu-se 23 vias públicas, 5 quadras
destinadas à construção de praças e um estádio. Décadas se passaram e, então,
questiona-se: as políticas públicas estão sendo capazes de enfrentar o
crescimento da cidade e proporcionar um trânsito em condições seguras?
Existe também o
outro lado do problema. Trata-se da cultura do desrespeito às regras de
trânsito. Mais da metade dos acidentes em Imperatriz tem como causas excesso de
velocidade e avanço de preferencial. Além do mais, a desproporção entre
veículos e pessoas habilitadas ilustra bem essa cultura do desrespeito. Temos cerca
de 116.000 veículos emplacados em Imperatriz para 83.618 condutores
habilitados. Claro que nessa conta se devem considerar variáveis como o fato de
existirem condutores com habilitação para carro e moto, por exemplo. Todavia, ainda
assim, aqueles números comprovam o que todos sabemos. Existem muitas pessoas
dirigindo carros e pilotando motos pelas ruas e avenidas da nossa cidade sem a
devida habilitação para dirigir.
A grande maioria dos acidentes de trânsito
tem como causa condutas previstas como crimes no Código de Trânsito.
Exemplifica-se com a situação comum em Imperatriz de um condutor que,
inobservando seu dever de cautela, avança imprudentemente a preferencial de
outra via e, colidindo com o condutor desta via, causa-lhe lesão corporal
culposa e incide nas penas do crime do art. 303, do CTB. Têm-se, ainda, como
importantes causas de acidentes de trânsito, outras condutas previstas no CTB,
como dirigir veículo automotor sem habilitação (art. 309); permitir, confiar ou
entregar direção de veículo automotor à pessoa não habilitada (art. 310);
trafegar em alta velocidade (art. 311), dentre outros. Em verdade, dos onze
crimes previstos no CTB, nove têm pena máxima até dois anos, portanto, são
crimes que compõem a chamada pequena criminalidade, nos termos do art. 61, da
Lei nº 9.099/1995.
O combate aos acidentes de trânsito com a
busca da responsabilização criminal de quem os deu causa representa um trabalho
de caráter pontual. Verdadeiramente, a pesar de sua importância, revela-se
insuficiente. O Ministério Público entende que a violência no trânsito de
Imperatriz é um problema complexo, demandando um trabalho que avance em várias
frentes. Por isso, já está sendo desenvolvida uma campanha com o mesmo nome do
título deste texto. O objetivo da campanha é fomentar na
sociedade o sentimento de pertencimento ao problema do trânsito na cidade.
Deseja-se contribuir para uma reflexão sobre em que medida essa violência urbana
atinge cada integrante da sociedade e qual a responsabilidade de cada um sobre
o problema. A partir daí, pretende-se obter o comprometimento de todos na busca
por um trânsito em condições seguras.
O que falta para um
trânsito em condições mais seguras em Imperatriz: Maior fiscalização? Mais
campanhas educativas? Melhor sinalização no trânsito? A inegável imprudência
dos condutores de veículos seria a única causa da violência no trânsito de
Imperatriz?
O que VOCÊ
tem a ver com a violência no trânsito de Imperatriz? Pense sobre o
assunto. Discuta com sua família e amigos. Leve o debate para sua escola,
faculdade, igreja e trabalho. O Ministério Público do Maranhão está a sua
disposição nesse debate. Procure-nos. Dê a sua sugestão. Faça a sua crítica.
Envolva-se e lembre-se: ao sair de casa, você
já está fazendo parte do trânsito de Imperatriz, seja de carro, de moto ou
simplesmente andando.