Grande
parte das pessoas, consciente ou inconscientemente, tem a mania de encontrar
culpados para tudo, principalmente para justificar erros ou falhas, pessoais ou
não. Mais um defeito de origem que
começa ainda na infância, e que se não for erradicado, acompanha o individuo até a morte. Esse
defeitinho não se prende apenas ao subjetivismo não. Objetivamente estamos
sempre procurando um, ou vários
culpados, para o que
ocorre na sociedade.
Quando não sem tem alguém para nominar culpa-se o sistema, que no entendimento geral abrange
tudo. Ai entra o prefeito, o governador, o presidente da República, os professores, o sindicato, a imprensa, os
bancos, o cara do bar da esquina, os
órgãos públicos, enfim, tudo entra na conta desse danado sistema. Se a culpa é
do sistema, então tá tudo resolvido.
A
sociedade é sistêmica, funciona em rede. Talvez seja por isso que tudo de ruim
que acontece, quando não se identifica os autores dos erros tenta-se justificar a incompetência ou diz-se logo que foi o sistema.
Ao tentar encontrar um tema para a coluna
desta semana passei a imaginar qual seria o comportamento de um matuto, na
acepção da palavra, diante de uma situação
na qual alguém lhe dissesse que ele não seria contemplado em algum pleito por causa do sistema. Acabou saindo a seguinte
ficção:
De tanto
ouvir falar do sistema cismou:
- preciso
conhecer esse tal de Sistema. Puta que pariu!
Esse cara está em todas- pensou o simplório vaqueiro na porta da agência
do INSS, onde fora interpor seu
pedido do auxilio doença.
Machucou-se
ao pisar de mau jeito num “mata burro”
na fazenda onde trabalha desde a adolescência. Sentia muitas dores no pé
esquerdo e o jeito era se “encostar” até poder voltar a trabalhar.
-O sistema
saiu do ar, não posso mais atendê-lo hoje. Só daqui a cinco meses- disse uma mal
humorada atendente ao vaqueiro.
- Dona eu
moro num povoado a 500 quilômetros daqui- retrucou o vaqueiro.
- Moço eu
já não lhe disse que só daqui a cinco meses? Não tenho culpa se o sistema saiu
e não tem hora pra voltar-detonou a atendente.
Nelson
saiu dali soltando fumaça afinal, era a terceira vez que esse tal de sistema
atrapalhava sua vida num único dia. Estava
odiado.
Lembrou que
no banco, onde fora sacar uns merréis para
almoçar, o nefasto do sistema não permitiu a operação.
- Quando o
sistema sai não se sabe a hora que ele volta. Melhor o senhor vir outro dia-
aconselhou o guarda da agência.
Dali
seguiria até o INSS. Precisava pegar um ônibus.
Morto de
fome Nelson, com o pé latejando de dor, esperou 10, 15, 20, 30 minutos na
parada e nada do coletivo. Uma multidão, que assim como ele esperava o bendito
transporte, começou a reclamar em voz alta. Passava das 10h30 da
manhã. O dia abafado e calorento deixou o vaqueiro uma pilha de nervos.
- A culpa
é do sistema que não permite a entrada de outras empresas-- protestou um entusiasmado
estudante.
- O
sistema é realmente bruto- completou um rapaz com o uniforme de uma empresa de
construção civil que também esperava há muito a chegada do coletivo.
Nelson
ouviu tudo aquilo indignado. Nada do ônibus passar e o horário da audiência no
INSS chegando. Decidiu ir mesmo a pé, embora cheio de dores.
Com fome,
sede, dor, suado e cansado, ainda ali na porta da agência se lembrando daquela
fatídica manhã, o vaqueiro não tirava o sistema da cabeça. Era tanto ódio que
chorou e num momento de fúria, no alto de sua ignorância, voltou pra dentro da
agência, se dirigiu até a atendente e soltou um gritou que chamou a atenção de
todos:
-Moça pode
dizer pra esse maldito sistema que se continuar a me perseguir e a atrapalhar
minha vida, juro que da próxima vez que eu voltar aqui, eu mato ele.