(E.A)
“Conhecereis a verdade, e a verdade
vos libertará”. Sempre que ouço, ou leio em algum lugar essa
sacrossanta palavra nascida do vocabulário celeste de
Jesus, me inquieto, pelo menos por alguns instantes,
sobre a que verdade o Cristo se refere. Precisaria ser teólogo para
compreender o sentido teleológico dessa assertiva cristã? Não
sei. Como estou muito distante da teologia não
me arriscarei a
mergulhar nessa “Verdade Santa”,
que conforme o filho de Deus liberta.
A verdade, tema da coluna de hoje, é
a verdade que eu chamaria de profana, aquela que grande
parte das pessoas se apropria, e ao invés de se libertar ficam cada vez mais
presas. A verdade
manipulada, que escraviza e reproduz
escravidão.
Verdade implica dizer ausência de
mentira, aquilo que
é sincero; definição cada vez mais distante da sua origem
uma vez que na sociedade moderna a verdade é loteada com
cada um se apossando da sua. Como diria, mesmo com certo exagero, o
escritor José Saramago “o tempo das verdades plurais acabou. Vivemos no
tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os
dias”
É uma característica natural de nós,
enquanto humanos, buscarmos permanentemente a verdade, e
assim conseguirmos, quando há esforço e
interesse, distinguirmos o verdadeiro
do falso. O problema é o sentimento mórbido
da posse da verdade, que é quando alguém define a
sua como a mais absoluta delas. É quando surgem a
intolerância, o ódio, a morte, e o aparecimento da mentira
para, irônica e falsamente,
se preservar uma verdade, o poder, ou
outro mecanismo de controle qualquer.
Nesse universo da verdade
profana “a verdade verdadeira” que interessa
é a minha, as outras nada valem, não têm valor. A minha é Deus a dos
outros é o diabo. A minha constrói, a dos outros destrói.
Fiquemos atentos então a todas
as verdades nos impostas todos os dias, já que como raciocina Vergílio
Ferreira, “ uma verdade só é verdade quando levada às ultimas
consequências. Até lá não é uma verdade”
O escritor Agostinho
Silva completa ao ensinar que “deve-se estar atento às ideias novas
que vêm dos outros. Nunca julgar que aquilo em que se acredita é efetivamente a
verdade. Fujo da verdade como tudo, porque acho que quem tem a verdade num
bolso tem sempre uma inquisição do outro lado pronta para atacar alguém; então
livro-me de toda espécie de poder- isso, sobretudo”
As linhas da coluna de hoje chegam ao
fim e concluímos que, o que vemos hoje no tecido social é uma luta
renhida pela hegemonia das verdades proclamadas todos os dias nos quatro cantos
do mundo pelos mais diversos meios; seja pelos múltiplos, e ágeis veículos
de comunicação, seja pelas igrejas, partidos políticos, associações,
sociedades, tribos, castas etc.
Essa luta pelo controle das verdades
que tentam se impor só justificaria pela mantença ou a busca pelo poder,
e nesse caso, para os que se constituem “donos da verdade”, valeria a
máxima maquiavélica de que os fins justificariam os meios.
A consequência dessas batalhas são os
conflitos, que ao meu sentir, não são no todo negativos, uma vez que pode haver
convergências entre eles e nesse processo convergente o aparecimento de outras
verdades que possam contribuir para a harmonia social.
O conflito entre as verdades profanas poderiam render grandes frutos se
cada um, mesmo discordando, respeitasse as verdades entronizadas nos outros,
até porque podemos até nos apossar das ditas, mas jamais seremos proprietários
delas. A verdade, seja ela qual for, não tem dono.