ElsonMAraujo
Sempre gostei de revisitar leituras. Tenho o hábito de me apegar
principalmente àquelas que desafiam a compreensão e despertam o pensamento
crítico. Revejo todas as marcações, numa espécie de renovação do diálogo com o
autor e seu pensamento. No início desta semana, assim meio que por acaso,
reencontrei O Fim do Poder, livro elogiadíssimo de Moisés Naím, ex-ministro do
Desenvolvimento da Venezuela, entre o final da década de 1980 e início dos anos
1990 e que na época do lançamento, não sei se ainda continua, era diretor
executivo do Banco Mundial.
Deparei-me com o Fim do Poder enquanto limpava uma gaveta. Olhei para
ele, ele olhou para mim, e não demorou muito engatamos uma nova conversa.
Mirei nas marcações deixadas no curso do nosso primeiro encontro. Mesmo
sendo de 2015, o livro é um relato daquilo que continua a ocorrer com as
estruturas de poder, que na avaliação do autor, passam por um processo de
degradação que está mudando o mundo. Além, diz ele, de passar por um
processo de mutação muito mais fundamental e que ainda não foi suficientemente
reconhecida e compreendida.
Ao prosseguir com o passeio pelas minhas marcações reli:
Um exército grande e moderno não garante mais por si só que um país irá
alcançar suas metas estratégicas.
Nesta marcação lembrei imediatamente da invasão da Ucrânia pela Rússia,
ocorrida na última quinta-feira, 24 de fevereiro, e da luta diplomática da
Otan- Organização do Tratado do Atlântico Norte- para conter os ímpetos do
Putin, e evitar mais uma guerra do conflagrado continente europeu.
Acredita-se que sedento de poder Putin ambicione, com o apoio da China,
reeditar a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas –URSS- Lá atrás,
lembre-se, ele já anexou a Criméia.
Com o fim da URSS houve uma fragmentação do poder russo e a diminuição
da sua influência no mundo. Com isso, os Estados Unidos e outras nações
assumiram essa vanguarda. Putin, na avaliação dos especialistas em política
internacional, estaria tentando reassumir a posição global perdida, e que a
invasão da Ucrânia seria apenas o início de uma ambição maior.
O livro de Moisés Naím é instigante porque o autor conduz o leitor a
refletir sobre as formas como o poder é manejado no mundo corporativo, pelas
lideranças religiosas e pelos líderes das nações, como Putin, o exemplo da vez;
além de refletir sobre o risco dos excessos e da sua fragmentação, com o
surgimento do que ele chama de micropoderes.
Neste 2022, que se abre para uma guerra de possíveis consequências
globais, O Fim de Poder é uma leitura importante para que se compreenda um
pouco do que acontece hoje com a alma do poder. A iniciada guerra da Rússia
contra a Ucrânia é o que me sobreveio com essa nova conversa com o livro do
Naím, mas também a obra remete a uma reflexão em torno de outras estruturas de
poder, fora do eixo das nações.
O poder está passando daqueles que têm mais força bruta para os que têm
mais conhecimentos, dos países do Norte para os do Sul e do ocidente para o
oriente, dos velhos gigantes corporativos para as empresas mais jovens e ágeis,
dos ditadores aferrados ao poder para o povo que protesta nas praças e nas
ruas, dos homens para as mulheres, dos mais velhos para os mais jovens.
(M.N)
Mais do que exercer o poder, a sensação que ele oferece é a explicação
mais plausível para que homens e corporações se joguem em lutas fraticidas para
conquistá-lo. Junte-se a isso, o medo de perdê-lo. Talvez esteja aí uma
das explicações de foro íntimo para que Vladimir Putin tenha, a princípio,
articulado sua permanência no comando da Rússia por tempo indeterminado, e
agora parta para anexar as nações que se desprenderam da “mamãe Rússia” com o
fim da chamada “guerra fria”.
Moisés Naím não disseca só o poder no ambiente da geopolítica. Ele
também cai para o campo das religiões onde acentua que de modo semelhante o
arraigado, e histórico, poder das grandes religiões organizadas tem declinado
num ritmo incrível. Cita, por exemplo, o avanço dos pentecostais, algo que é
visível principalmente, nas palavras do autor, nos países que já foram
fortaleza do vaticano.
Outra marcação voltou a chamar minha atenção. Uma que dizia que
nos últimos trinta anos as barreiras que protegem o poder foram se
enfraquecendo num ritmo muito rápido sendo mais fácil vencê-las, passar por
cima delas ou driblá-las”
*“O poder não é mais o que era antes, não é mais privilégio de poucos”
(M.N)*
Espaço pequeno para falar sobre o inteiro teor de O Fim do Poder,
leitura gostosa, sobre um tema complexo, mas que autor consegue deixá-lo
perfeitamente palatável e compreensível.
Fico por aqui, mas deixo o pensamento de um autor que também
se debruçou muito sobre o estudo do poder: Charles-Louis de Secondat, barão de
La Brède e de Montesquieu, conhecido como Montesquieu, que na sua imortal obra
o Espirito das Leis, escrita no século XVIII, escreveu que todos que detêm o
poder tendem a abusar dele, e que só o poder detém o poder, numa alusão aos
limites que a este deve ser imposto. Atual, não é?