ElsonMAraújo
Somos mais de um, em um corpo só. O mais forte
é aquele que alimentamos melhor
Na ficção, o filme Fragmentado
causou espanto ao evidenciar um vilão que dava vida, ou melhor, acumulava
várias personalidades. Cada uma com suas peculiaridades. Uma sem nenhuma
comunicação com a outra, a não ser o corpo aparente. Um filme que merece ser visto
mais de uma vez para uma melhor compreensão.
A produção de 2016, dirigido
M.Nigth Shyamalan , gira em torno do personagem Kevin, que possui 24
personalidades distintas e consegue alterná-las quimicamente com força do pensamento. O filme é inspirado no
documentário “Monstros interiores: as 24 personalidades de Bily Milligam”
Em miúdo, a produção mostrou,
com os devidos descontos, um distúrbio que tem nome, e é objeto de estudos
profundos. Denomina-se transtorno dissociativo de identidade, anteriormente
denominado transtorno de personalidade múltipla, que é quando duas ou
mais identidades se alternam no controle da mesma pessoa.
Pode ser considerado raro, mas
existe. E Sem trocadilho: há muitas pessoas com personalidades múltiplas
mórbidas, e nem sabem disso.
Ano passado, se não me falha a
memória, o programa Fantástico, da TV Globo, exibiu uma reportagem
especial sobre o tema. Vi a matéria, fundamentada com algumas entrevistas de
pessoas supostamente com o disturbio, que logo me reconduziu à memória de fragmentado.
A matéria mostrou que de fato estudos comprovam que é possível que um ser
humano acumule personalidades distintas. Ali, pude constatar que ainda há
muito, mais muito, no ser humano, principalmente as coisas produzidas no
cérebro, para ser estudado.
Há mais de duas semanas que me
debruço sobre uma versão digital do livro “Cérebro: Uma biografia”, do
neurocientista e professor da Universidade Stanford (EUA) David Eagleman.
Uma
obra inquietante, publicada em 2017, onde o autor com muita base científica,
mas de modo bem didático, dá detalhes sobre alguns dos aspectos estudados e
conhecidos de um dos órgãos humano dos mais pesquisados. No atual grau de evolução do homo sapiens, essa massa se apresenta com
um quilo e meio, e conforme o autor, abriga cerca de 86 bilhões de células
nervosas, além muitos mistérios.
Em algumas passagens do livro
é possível atentar para complexidade do
funcionamento do cérebro humano, principalmente quando ele fala do controle de
impulsos e do complicado ato de escolher.
Nunca imaginei que uma simples
escolha mobilizasse, inconscientemente, tantos mecanismos internos e tantas
batalhas de Eus, até se materializar. O autor de uma biografia do cérebro para
se fazer entender refere-se ao conflito do ato de escolher como um verdadeiro parlamento
neural, onde diversos partidos políticos rivais se digladiam para
comandar o Estado.
“Somos criaturas complexas de
muitos impulsos e todos eles querem ter o controle” escreve David Eagleman que
completa: “Sem a capacidade de pesar alternativas, seríamos reféns de
nossos impulsos mais fundamentais. Nosso cérebro faz avaliações sociais
constantemente. O cérebro tem instintos inatos para contactar quem é digno de
confiança e quem não é”
Nesse momento não teve como
não ser reconduzido, pela enésima vez, a alguns momentos do filme Fragmentado.
Pensando bem,
desconsiderando-se as situações que carecem de intervenção psiquiátrica, se a gente
parar e pensar um pouquinho sobre nosso comportamento de todos os dias e de
todas as horas, logo vamos descobrir que na verdade todos nós, somos mais de
um. Não é loucura. Em determinado momento surge um EU simpático, educado,
em outro, um EU diverso agressivo, insensível; e capaz de múltiplas maldades,
se não for contido. São EUS que não se pode contar, num conflito permanente.
Depois da leitura de Cérebro:
uma biografia, uma conclusão elementar: é preciso que adquiramos a consciência
de que, queiramos ou não, em regra somos seres múltiplos que ocupam um único
corpo e os que prevalecem são aqueles que mais alimentamos. Se o alimentarmos,
crescem tanto os EUS do bem, quanto os EUS do Mal.
O EU que gosta e o que não
gosta de leitura, o vilão e o bandido, o político e o apolítico, o ansioso e o
não ansioso, o seguro e o inseguro, enfim, são EUS em quantidades difíceis de
contar, mas que necessitam de vigilância consciente para que a gente não perca
o controle e venha precisar de apoio psiquiátrico.
O curioso quando a gente
descobre que todas essas batalhas de EUS, ocorrem na escuridão das
quatro linhas dessa massa cinzenta, muito bem protegida numa caixa craniana, e
que é responsável pela conexão todas as funções físicas e emocionais (consciente
e inconsciente), e as ações voluntárias e involuntárias do nosso corpo.
Indo para o final, a ciência
já comprovou que o desenvolvimento físico do ser humano é céfalo/caudal.
Denominação esquisita para dizer que tal desenvolvimento ocorre da cabeça para
o resto do corpo. O equilíbrio primeiro
é o da cabeça. Depois segue o fluxo.
É de supor que se esse
fenômeno ocorre da cabeça para os pés porque há algo muito importante e valioso
ali que não pode sofrer danos, e que precisa ser preservado. Um santo graal chamado cérebro.
Danifique-se esse órgão, e a depender
da região afetada, o ser humano sofre mudanças físicas e comportamentais. Pode
se perder os movimentos de membros, e até ter nossos festejados sentidos
sensoriais, como o olfato, paladar, tato, visão e audição, avariados.
Não sou eu quem digo, são os
estudos realizados e os fatos. Quando alguém sofre um derrame cerebral grave,
um acidente doméstico ou de trânsito, e bate forte na cabeça, por exemplo, é
comum surgirem “defeitos” graves. Nosso colega jornalista Aurino Brito, de
saudosa memória, sofreu anos atrás um AVC e embora não tenha perdido movimento
dos membros inferiores e superiores, teve a área do cérebro responsável pela
fala afetada, e nunca mais pode falar.
Cito ele, mas temos vários exemplos.
E de volta à Cérebro: uma
biografia, encerro o texto deste final e início de semana com uma frase do
autor sobre os mistérios do Cérebro: “O corpo com que chegamos é, na
realidade, apenas o ponto de partida para a humanidade”
.