Com a intervenção, as Forças Armadas assumem a
responsabilidade do comando das Polícias Civil e Militar no estado do Rio.
'Governo dará respostas duras e firmes', afirmou Temer
Por Guilherme Mazui,
Bernardo Caram e Roniara Castilhos, G1 e TV Globo, Brasília
16/02/2018 13h31
O presidente Michel Temer assinou nesta sexta-feira
(16), no Palácio do Planalto, o decreto de intervenção federal na segurança
pública no estado do Rio de Janeiro.
O decreto chegou à Câmara dos Deputados na tarde desta
sexta e foi protocolado por um funcionário da Casa Civil na Primeira Secretaria
da Câmara.
A medida prevê que o general do Exército Walter Souza
Braga Netto, do Comando Militar do Leste, será o interventor no estado. Ele
assume até o dia 31 de dezembro de 2018 a responsabilidade do comando da
Secretaria de Segurança, Polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros e do
sistema carcerário no estado do Rio.
A intervenção já está em vigor, mas o decreto precisa
ser aprovado pelo Congresso Nacional para continuar valendo.
Em discurso na solenidade, Temer comparou o crime
organizado que atua no Rio de Janeiro a uma metástase e que, por isso, o
governo federal tomou a decisão de intervir no estado.
"O crime organizado quase tomou conta do estado do
Rio de Janeiro. É uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a
tranquilidade do nosso povo. Por isso acabamos de decretar neste momento a
intervenção federal da área da segurança pública do Rio de Janeiro",
completou Temer.
"Tomo esta
medida extrema porque as circunstâncias assim exigem. O governo dará respostas
duras, firmes e adotará todas as providêncais necessárias para enfrentar e
derrotar o crime organizado e as quadrilhas", disse Temer.
Ele também afirmou
que a intervenção federal tem o objetivo de "restabelecer a ordem". O
presidente informou que enviará ainda nesta sexta ao Congresso o ato e que a
intervenção tem "vigência imediata".
"Não podemos aceitar passivamente a morte de inocentes, e é intoleravel que estejamos enterrando pais e mães de familia, trabalhadores, policiais, jovens e crianças, e vendo bairros inteiros sitiados, escolas sob a mira de fuzis e avenidas transformadas em trincheiras", disse Temer. Por isso, chega, basta. Nós não vamos aceitar que matem nosso presente nem continuem a assassinar o nosso futuro", concluiu.
Embora as forças armadas já tenham atuado em
diversos estados nos últimos anos, a intervenção federal na
segurança pública do Rio de Janeiro anunciada nesta
sexta-feira (16) é a primeira desde a promulgação da Constituição de 1988.
A ferramenta mais utilizada em operações deste tipo
é a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que é menos invasiva na autonomia
política e administrativa da localidade, e seria configurada mais como uma
"parceria", como a que ocorreu em fevereiro de 2017 no
Espírito Santo.
Especialista em Direito Constitucional e professor da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o advogado Daniel Falcão explica que a intervenção federal é diferente e tem alcance significativamente maior que um decreto de lei e ordem.
"GLO (garantia de lei e ordem) acontece em
várias ocasiões e não mexe em nada no estado. É uma questão específica, uma
situação muito pontual, menor e peculiar: vão lá as forças armadas, intervêm e
resolvem. O próprio governador pode pedir essa ajuda, aí o governo federal
manda tropas. Mas, em tese, quem coordena tudo ainda é o governador", diz
Falcão.
"A intervenção é muito maior e muito mais grave: está sendo substituído o governador num determinado assunto, a segurança pública."
No Rio de Janeiro, o secretário de segurança
pública, Roberto Sá, será afastado para dar lugar ao general Walter Souza
Braga Netto, que tomará as decisões sobre segurança, com total
submissão das polícias civil, militar e também dos bombeiros.
"O Governo Federal passa a ter respaldo
jurídico para tomar decisões sem prestar qualquer tipo de satisfação ao
governador", explicou o Fernando Veloso, ex-chefe da Polícia Civil e
comentarista de Segurança Pública da TV Globo.
Instrumento de força
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, houve intervenções federais nos estados, principalmente na República Velha, no Estado Novo e na ditadura militar.
“Esses institutos que realmente têm força coercitiva e são mais dramáticos e radicais foram usados na época da ditadura, entre 1964 e 1985”, afirmou a advogada constitucionalista Vera Chemim.
Entre 1995 e 2003, o presidente Fernando Henrique
Cardoso ficou perto de duas possíveis intervenções. Em 1997, Alagoas passou por
uma grave crise financeira, e o governo federal ajudou na solução, mas não
houve intervenção formal.
Já em 2002, entidades pediram intervenção federal no Espírito Santo por causa de corrupção e crime organizado. O então ministro da Justiça Miguel Reale Jr. acatou o pedido, mas FHC barrou a medida, o que provocou o pedido de demissão de Reale.
"A intervenção federal demonstra uma crise gravíssima na unidade da federação, obviamente isso não é bom para democracia. A questão é analisar se os pressupostos estão presentes. O presidente faz uma primeira análise, mas quem tem a palavra final é o congresso", afirmou Nestor Castilho Gomes, professor de Direito Constitucional da Univille.
Procedimento formal
O decreto de intervenção precisa ser enviado ao Congresso em 24 horas. A Câmara e o Senado vão decidir, separadamente, se aprovam ou rejeitam o decreto em votações por maioria simples. Na Câmara, a análise deve ser feita na semana que vem.
Outro órgão que também deve se manifestar sobre a medida é o Conselho da República, que é formado pelo vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes da maior e da minoria nessas duas Casas, o ministro da Justiça e mais 6 cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos – 2 nomeados pelo Presidente, 2 eleitos pelo Senado e 2 eleitos pela Câmara.
A Constituição não especifica em qual momento o Conselho deve se pronunciar, mas segundo Gomes há um entendimento de juristas constitucionais de que ele deveria ser consultado antes do decreto. Até agora não há notícia de que o conselho foi convocado.
Além dele, o Conselho de Defesa Nacional também deve se manifestar em casos de intervenções federais. Ele é quase igual ao Conselho da República, mas sem os 6 cidadãos brasileiros, que são substituídos pelo ministro da Justiça.
"A ausência de manifestação destes dois conselhos tornaria o decreto inconstitucional", afirma Nestor Gomes.
Consequências
Enquanto um estado estiver sob intervenção federal, o Congresso não pode aprovar mudanças na Constituição. Por exemplo, a reforma da Previdência, que está em tramitação, não poderá ser votada durante a intervenção no Rio.
Dentro do governo, chegou a ser discutida a hipótese de a intervenção ser suspendida durante a votação da PEC da Previdência, e depois retomá-la. Mas ainda não há definição sobre essa estratégia.
"Não vejo nenhum sentido jurídico nisso: seria deturpar o que está dizendo a Constituição. Para evitar que o presidente faça alterações de viés autoritário e para resguardar o texto constitucional, o artigo 60 diz que não pode haver emenda se for decretado estado de sítio, estado de defesa ou intervenção federal", explica Daniel Falcão.
No entanto, a medida não afeta as eleições. "A intervenção federal é uma interferência excepcional de um ente no outro. E o decreto determina o objeto da interferência. Neste caso está claro que é segurança pública, embora exista possibilidade de intervenção mais ampla, no governo todo", afirma Eduardo Mendonça, advogador constitucionalista.
Sobre a possibilidade de a intervenção avançar a outras áreas além da segurança pública, Falcão avalia que "isso é uma dúvida que vai ser respondida provavelmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF)".
"Como nunca aconteceu desde a Constituição de 1988, não se sabe se é possível uma intervenção total. Provavelmente alguém vai provocar o STF para tratar do assunto: ou a Procuradoria ou um partido político, por exemplo.