4/01/2023

A redução da maioridade penal e os Dez Mandamentos

 

Originalmente publicado em 2017

ElsonMAraujo

Nunca foi fácil cumprir regras, contudo elas se tornaram necessárias a partir do surgimento dos primeiros agrupamentos humanos, ou seja, as aldeias, tribos, clãs, que deram origem às nações de hoje. Dessa necessidade de se organizar, e por vezes pacificar a convivência humana, surgiram os códigos estudados atualmente nos livros de História tais como Hamurabi, a Lei das XII Tábuas e os códigos de Manu e Draco, só para citar os mais conhecidos, e dos quais se herdaram muitos dos fundamentos contidos nas legislações penais mundo afora.

Assim como o homem sempre teve dificuldade de seguir regras, as mesmas sociedades, que por intermédio de seus legisladores as ditaram, sempre tiveram dificuldade de fazer com que essas fossem cumpridas.

Na Bíblia Sagrada, no livro do Exôdo, inserto no Antigo Testamento, está escrito que o próprio Deus ditou a Moisés os Dez Mandamentos, que certamente se fossem cumpridos tornariam a sociedade humana mais harmoniosa.  Mas não é isso que se constata em dias atuais. O que se percebe é que nem Deus, com essas dez regras do “bom viver”,  conseguiu deter alguns comportamentos humanos reprováveis aos Seus olhos.

Digamos que se pelo menos 50% do que ditou o Pai Celestial a Moisés fossem praticados por nosotros, não tenho dúvida nenhuma, de que as relações humanas não estariam hoje assim, tão conturbadas.

Interessante observar que alguns dos “bens” contidos nos Dez Mandamentos são protegidos pelo Divino, e a sentença por esse tipo de infração, segundo os ensinamentos cristãos, é a “ida para o inferno”. Outros, outra vez pelo Divino,  e pelas leis vigentes, o que pode originar aí uma dupla sentença: uma espiritual e outra humana.

O que dizer do Sexto Mandamento- não matarás- que foi tipificado, no caso do Brasil, a partir do artigo 121 do Código Penal? E do Oitavo- não furtar, também positivado no nosso Código Penal no artigo 155? Bastaria o cumprimento desses dois dispositivos pra coisa começar a melhorar no mundo, o que se sabe ser uma utopia. Um sonho distante de vir a ser cumprido, mas não de ser sonhado. Vida e patrimônio, bens protegidos pela Lei de Deus e pela Lei dos homens desrespeitadas todos os dias no mundo inteiro.

 

É esse o grande problema, por exemplo, do Estado Brasileiro: detentor de uma overdose de leis, mas que, no “frigir dos ovos”, não são cumpridas nem respeitadas, justamente pelo fato desse Estado não oferecer as condições necessárias para que tais dispositivos sejam integralmente cumpridos.

Portanto, de pouco adianta criar novas leis, emendar a Constituição, mudar o regramento já existente, como querem agora com a redução da maioridade penal, se antecipadamente já se sabe que não vai adiantar nada, sendo mais um “show para agradar a plateia” e proporcionar uma falsa sensação de que a partir dessa mudança a violência vai diminuir no País.

Aposto com qualquer um se essa mudança trará mais segurança para a sociedade.

 Ao partir para o encerramento do texto ainda uma breve consideração sobre esse assunto da redução da maioridade penal, tema que há anos domina o debate nacional, principalmente quando ocorre algum fato típico de extrema gravidade praticada por adolescentes: há de se ressaltar que, embora a mídia insista em privilegiar apenas um lado da questão, é bom que se diga que existem duas correntes que digladiam atualmente: uma contra a redução e outra favor, com argumentos fortes de ambos os lados. No meu caso, filio-me ao posicionamento e argumentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB- contidos num lúcido documento publicado 1999, mas muito atual, uma vez que nada mudou desde então.

Assinado à época pelo padre Plínio Possobon, um trecho do mencionado documento assinala que:

“Não é justo pretender reduzir a idade da responsabilidade penal sem antes cobrar a implementação das medidas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Os especialistas consideram que a recuperação do cidadão em desenvolvimento não pode se dar através do sistema penal, considerado arcaico e falido pelo Judiciário, mas sim através das medidas socioeducativas previstas pela legislação atual. (CNBB, 1999, p.2)

 

Já me atrevi a escrever sobre esse assunto numa coluna anterior. De fato, com a falência visível do sistema penal/ prisional brasileiro e sem nenhuma solução, pelo menos aparente para essa problemática, a redução da menor idade penal só agravará mais ainda a situação, com o aumento da população carcerária brasileira que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça –CNJ, já é a terceira do mundo com 715.655 presos. O Brasil perde somente para os Estados Unidos, que abrigam 2.228.424 presos, e para a China com 1.701.344 presos.

Possuímos um sistema prisional, como é notório, que além de não ressocializar ninguém, encontra-se atualmente sob o domínio do crime organizado.

Diante do exposto é fácil concluir, portanto, que encher as prisões de adolescentes infratores, sem a menor sombra de dúvida, não reduzirá a violência. E como não temos prisão perpétua, no modelo vigente, a redução da maioridade penal no Brasil só produzirá uma nova casta de criminosos, jovem e mais feroz. Um verdadeiro tiro no pé.

Quem viver, verá.

 

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